Fred Forest tem se destacado como dos principais artistas contemporâneos que
adota o universo das mídias e da comunicação como um campo
de criação. Apropriando-se dos meios de comunicação enquanto
instituição de arte em igual importância ao espaço dos museus
e outros lugares consagrados da arte contemporânea, este
artista escolheu atuar deliberadamente de forma “paralela”
aos circuitos oficiais da cena artística construindo um
não-lugar para a arte amparando-se dos meios de comunicação
como se fosse um material: “agir sobre e não na mídia de
massa”, como bem observava Vilem Flusser em seu texto de
1975. As conseqüências artísticas, estéticas e sociológicas
desta utopia, é o que podemos apreciar nesta Retrospectiva,
com muita propriedade denominada, “Circuitos Paralelos”.
Através de uma ação initerrupta ao longo de mais de quarenta anos Fred Forest
vem realizando uma obra que dá prosseguimento a questões
fundamentais colocados no modernismo, tal como Gabo, por
exemplo, formulava em 1920: “– como pode a arte contribuir
ao presente da história do homem ?” e leva adiante
uma obra que ultrapassa os parâmetros e instituições que
definiam a arte do século XX propondo seu extravasamento
das paredes e muros de museus e galerias para os espaços
da realidade cotidiana. Por suas manifestações estéticas
em ações na cidade e intervenções nos meios de comunicação,
Forest coloca-se com bastante astúcia numa situação histórica
de ruptura sem precedentes. Performer, interventor das redes
de comunicação, provocador, ele não se poupa de inventar
estratégias para uma reconstrução da arte e da estética
tomando como base os mecanismos da sociedade de informação
e o acontecimento incontestável da tecno-ciência. Sua obra,
tanto artística quanto teórica, constitui-se numa poderosa
reflexão sobre os códigos de comunicação. Seu trabalho fundamenta-se
em questões ideológicas, simbólicas e estéticas concebidas
para desalojar a arte centrada sobre uma economia do objeto,
para práticas alinhadas sobre a economia da informação e
da comunicação.
Identificamos, em meio à diversidade de médiuns que utiliza, – imprensa, telefone,
fax, vídeo, radio, televisão, computador, anúncios luminosos,
redes telemáticas e a Web – a presença de uma idéia ou princípio
fundamental : aquele de colocar em evidência as deficiências
e fragilidades dos códigos aceitos pela sociedade.
Segundo o próprio artista, seu trabalho configura-se em duas etapas bem definidas:
A “Arte sociológica” e a “Estética da comunicação” que se
desenvolvem como evolução mais precisamente que como dois
movimentos diferentes, os quais observa-se fundir-se num
só movimento, com o advento da Internet mais próximo à virada
do presente século.
O período da arte Sociológica situa-se entre os anos 60-80 e é bastante marcada
pelos acontecimentos de 1968, em Paris. Em 1974 Fred Forest, juntamente com
Hervé Fischer e Jean-Paul Thénot, decidem constituir
o coletivo de arte sociológica que funcinará como estrutura
de acolhimento e de trabalho para esta manifestação. Fred
Forest redige vários manifestos em que são colocadas as
bases teóricas do movimento.
O que a arte sociológica propunha como ruptura em relação ao sistema modernista é a substituição do trabalho
de arte enquanto objeto material. Questionando a arte como
fenômeno puramente visual e a obra como um objeto de consumo
para as elites;a arte sociológica propõe não centrar mais
seus objetivos no exercício virtuoso de uma técnica, nem
na performance de matérias ou de substâncias, visando criar
um objeto estético de caráter bi ou tridimensional (uma
pintura, escultura ou fotografia, por exemplo).
O valor institucional da obra de arte e as finalidades afirmativas da estética
tradicional são desconsiderados em favor do contexto para
colocar em cena as deficiências e fragilidades dos códigos
sociais. O campo de ação é constituído enquanto intervenções
no sistema de relações sobre as quais a sociedade se organiza.
Sua matéria prima é a rede de instituições culturais e os dados sociológicos
fornecidos pelo meio-ambiente as quais, através de estratégias
com base na estética, inventando as técnicas de sua experiência,
o artista busca fazer aparecer a realidade concreta das
relações sociais que determinam os indivíduos e que as ideologias
dominantes persistem em ocultar em suas ações e discursos.
Na arte sociológica é atribuído ao espectador um papel preponderante
na apreensão do fenômeno artístico, através da promoção
de sua participação nas instâncias decisórias do devir dos
processos.
É a experiência sensorial que torna-se o centro de interesse e é nela que completa-se
e esgota-se, a experiência estética. A arte sociológica
se quer como prática pedagógica e subversiva para revelar
o real funcionamento das relações sociais, os modos de exploração,
a lógica política dos sistemas de valores dominantes e suas
mistificações cotidianas. Ela visa permitir ao indivíduo
o exercício crítico do julgamento e de sua liberdade em
relação a uma ordem social que falsamente apresenta-se como
necessária e natural. Para Mario Costa as produções, “não
são mais caracterizadas pelo simbólico e pelas sugestões
nebulosas que daí decorre, mas possuem uma essência cognitiva
indispensável e clara”.
Incluem-se entre as ações da arte sociológica a apropriação dos meios de comunicação
tais como os jornais, a televisão, a radio, e a Internet
com a finalidade de criar circuitos alternativos de criação
e veiculação da obra de arte.
Na arte sociológica o artista age por estratégias de deslocamento ou
transferência de informações propondo situações e
experiências que cultivam a subversão da lógica política
dos sistemas e processos culturais, habitualmente fechados
e colocados como “verdade” pelos valores dominantes. No
Brasil, o trabalho de Paulo Bruske, apresentado na última
Bienal de São Paulo, encontra referências na arte sociológica
por sua atuação contestatória durante o regime militar e
por ter desenvolvido um trabalho considerável sobre os meios
de comunicação e os circuitos alternativos da arte.
Mas as operações de Fred Forest no período da arte sociológica, resultaram numa
crítica manifesta sobre o poder de manipulação da informação
assim como do contexto ideológico-mediático. O que o artista
visa ao “revelar” estas mistificações cotidianas, é a transformação
das ideologias e uma tomada de consciência do indivíduo
sobre a alienação social. Assim foi, por exemplo, ”O Branco
invade a cidade” (1973), ação artística na Bienal de São
Paulo e a “Caminhada Sociológica no Brooklyn”, do mesmo
ano, ambas atividades realizadas no espaço público. Mas
também o vídeo “Troisième âge” (também de 1973) experiência
conduzida em um asilo de Hyères, na França, em que Forest, munido de seu equipamento de vídeo, gravava documentos sobre a
vida quotidiana desta casa para aposentados e, a seguir,
projetava essas fitas aos idosos com a finalidade de criar
uma experiência no campo artístico.
Sem cair na armadilha de propor novos modelos de organização social, trata-se
na arte sociológica de Fred Forest, de exercer o poder dialético
de um questionamento crítico e de criar situações que perturbam
os circuitos de comunicação institucionalizados.
Forest sabe que não pode mudar a imprensa, os meios de comunicação e os circuitos
institucionais da arte ; mas aposta que criando situações
que revelam o que são, pode-se mudar os pontos de vista.
No manisfesto constam o realismo e o desvio
como princípios sobre os quais apoiam-se as estratégias
da arte sociológica.
Observa-se no conjunto de sua obra deste período, a colocação em prática de
inúmeras estratégias de resistência aos discursos ideológicos
e mediáticos institucionalizados e a invenção de dispositivos
que denunciam o fato que a realidade se forja e se constrói
a partir das redes de comunicação que se estabelecem de
maneira contextual na sociedade, tendo em vista as ideologias
dominantes.
Mas desde o início dos anos 80 tornam-se mais evidentes o abrandamento do poder
do estado em favor das grandes corporações multinacionais,
e adquirem força os processos de desmoronamento dos regimes
totalitários. Cresce o poder da mídia enquanto formadora
de opinião. Em 1983 Fred Forest assina, juntamente com Mario
Costa e Horacio Zabala, o manifesto da “Estética da comunicação”
e na semana seguinte juntam-se a eles Roy Ascott (G.B.)
Derrick de Kerckhove (Canada) entre outros artistas de diversos
países. Este grupo de trabalho desenvolverá, a partir de
1983, os aspectos teóricos e as práticas artísticas deste
movimento. Entre as diversas ações constam a cadeira de
Estética e manifestações “Art Média” organizada por Mario
Costa na Universidade de Salerno e o Seminário “arte :
comunicação/novas tecnologias” dirigido por Fred Forest
na Universidade de Paris I e posteriormente em Nice, no
Museu de Arte Contemporânea, entre 1995 e 1998. O vínculo
estreito da Estética da comunicação com produção e transmissão
de conhecimento na Universidade, assinala a mudança de paradigma
nos meios de produção e ensino da arte, desde o século XIX
localizados na instituição da escola de Belas Artes.
No manifesto assinado no Mercato San Severino, em Salerno, 29 de outubro 1983,
é colocada a importância das redes em detrimento do conteúdo
das informações, isto é, o grupo anunciava que “os mecanismos
tornam-se cada vez mais proponderantes em relação aos conteúdos
da comunicação”.
Observa-se que o tom de subversão, característico da arte Sociológica, ameniza-se
na Estética da comunicação, porque o mundo está mudando
rapidamente e drásticamente sob os efeitos da tecno-ciência.
O grupo do manifesto da Estética da Comunicação entende
que deve centrar seus esforços sobre os meios de comunicação
nos quais concentra-se o verdadeiro eixo de poder na sociedade
contemporânea.
A Estética da Comunicação representa uma evolução da arte Sociológica muito
antes, como havíamos mencionado, de considerar qualquer
ruptura. O que se introduz como diferença na obra de Fred
Forest é que no período da Arte sociológica o artista atuava
com maior precisão na concepção de estratégias de ações,
enquanto que na Estética da comunicação ele permite-se um
alargamento de seu campo de ação ; a obra é pensada
como estrutura aberta, o aleatório e a participação do público
são introduzidos através de processos de comunicação interativos.
Seu trabalho passou a adotar desvios e posicionamentos mais sutis. Forest cada
vez mais ancora sua trajetória sobre uma relação particular
que se estabelece entre si-mesmo e seu contexto. Cada um
dos projetos requer a criação de um dispositivo operacional
e a elaboração de uma estratégia adaptável a diferentes
cenários. Assim é o “Tecno-mariage”, de 1999, em que o artista
transforma a cerimônia de seu casamento com Sophie Lavaud,
também artista das novas mídias, em acontecimento na rede
Internet. A cerimônia é transmitida
em grandes telas no Instituto franco-japonês de TOKYO, num
Web-café de Paris, e nas docas do Sul de Marseille, além
do site que podia ser acessado de qualquer ponto do planeta.
Através de um programa de realidade aumentada o casal também
habitava, na forma de clones, o espaço virtual, em 3D, na
sala casamento. Neste trabalho o artista hibrida a realidade
do acontecimento de uma cerimônia privada com a simulação
própria aos ambientes de rede propondo um novo modelo para
uma cultura em
emergência. Percebemos a ambigüidade
entre o real e o virtual ampliar-se nesse trabalho pelo
vínculo estreito com a figura e vida pessoal do artista,
e instaura-se um certo transe que coloca o sentido em suspense.
Na fase da Estética da comunicação observa-se o movimento de abrandamento dos
questionamentos críticos próprios à arte sociológica para
ceder lugar a uma “maior sensualização da vivência, a uma
exaltação do lúdico e a uma maior qualidade das trocas humanas”,
expressos em manifesto.
A Estética da comunicação, segundo seus autores “esforça-se por intergrar os
dados relevantes da filosofia, das ciências humanas e das
ciências exatas para tudo que seja suscetível de contribuir
para o conhecimento de seu objeto que é o sensível”.
Prestemos atenção a este deslocamento, nos propósitos teóricos do artista, da
ênfase colocada no concreto e no real, durante
o período da arte sociológica, para o sensível na
Estética da comunicação.
Quarenta anos passados dos tempos heróicos da arte Sociológica, hoje estamos
vivendo um momento histórico sem par em termos de avanço
tecnológico assim como mudanças de pontos de vista e paradigmas
na sociedade contemporânea. Cada nova invenção ou descoberta
implica em efeitos consideráveis na percepção do mundo,
nas relações inter-pessoais, e na subjetividade individual
e coletiva.
As tecnologias de informação tornaram-se suscetíveis de melhorar a qualidade
de vida ou de desestabilizar a ordem social; como vivenciamos
nos últimos eventos que sacudiram São Paulo e o país inteiro,
na semana passada. Maio/2006, no Brasil, torna explícita
uma revolução sorrateira que expõe a sociedade a confrontar-se
com efeitos perversos da contaminação das tecnologias da
informação em todas esferas da vida coletiva.
Que papel poderá desempenhar o artista na configuração desse novo contexto ?
Tudo indica que a sociedade e a arte do século XXI apontam
para cruzamentos e hibridações as mais diversas entre o
real e o virtual.
– Caberia ao artista, cada vez mais no mundo contemporâneo, ‑ no lugar
de representar o real através de sistemas figurativos baseados
na economia do objeto, ‑ reinventar o cotidiano, criar
“circuitos paralelos”, traçar pontes entre o real e o imaginário
contribuindo na construção desse não-lugar que é
a utopia ?
Parece ser esse o sentido da Obra que esta Retrospectiva coloca em evidência. Sem dúvidas, é na aposta dessa utopia que o trabalho de Fred Forest investe a quase
cinqüenta anos : criar estratégias, dispositivos
e situações para fazer o real curvar-se aos nossos sonhos.
Sandra Rey
POA, maio 2006